Eu conheci o rap nacional aos meus 15 anos. Como o clichê da maioria, conheci o freestyle no filme 8-mile do Eminem e fiquei admirado com as batalhas e a facilidade que as rimas eram desenvolvidas no filme. Ao conhecer um pouco do rap nacional, comecei a brincar de fazer rimas de improviso, porém a dificuldade de finalizar uma ou duas rimas seguidas era imensa. Comecei fazendo pesquisas à respeito de dicas de como fazer um bom freestyle, como treinar e não encontrei resultados na época.
Fui então até o Orkut em uma comunidade de rap(na época o site ainda estava em alta) e fiz um tópico chamado “Dicas de como rimar na hora”.
Prontamente algumas pessoas começaram falando sobre ser um dom, portanto quem não tem esse tal “dom”, nunca aprenderia fazer um freestyle. Outros já deram dicas do tipo “comece falando freestyle em vez de 'rima na hora'”, ou então “fale gírias como ‘mano’ e 'tá ligado'”. Nada foi útil até então.
Nessa época eu fazia aulas de desenho e lutava Kung Fu. Antes de eu entrar na aula de desenho acreditava que seria impossível fazer algo bem feito, pois não tenho a mão firme para fazer um traço sem tremer, ou fazer um círculo perfeito. Foi onde me surpreendi, pois aprendendo as técnicas de desenho sobre proporção, perspectiva, sombra e luz, consegui fazer desenhos incríveis.
Desenho que fiz em menos de um ano de curso de desenho — August Rodin
No Kung Fu, meu mestre dizia que existe duas maneiras de aprender a plantar bananeira: tentando diversas vezes de forma aleatória até conseguir, ou seguir as técnicas que ele ensinava e aprender em menos tempo com mais precisão.
Por conta desses dois acontecimentos pensei: “Por que não existe ninguém que tenha documentado dicas de como fazer rimas de improviso? Será que realmente é um dom e não é possível se aprender?”.
Entrevista do Max B.O no Ritmo Brasil na RedeTv
Se você acredita nessa hipótese, saiba que o Max B.O discorda de você. Segue o vídeo (aos 11 segundos):
Eu entendo que como é algo que tem que fluir naturalmente e que precisa envolver sentimento, geralmente as pessoas acreditarem que não seja possível existir uma técnica. Eu já vejo diferente.
Pense, por exemplo, em um pintor. É necessário muito sentimento para fazer um quadro, porém o mesmo precisa adquirir técnicas para fazer suas respectivas artes. Pensei que o freestyle pudesse seguir essa mesma linha.
Você não vai ler essa matéria e sair rimando mais do que o Emicida ou Max B.O. E não é pelo fato de eu ter analisado essas técnicas que sou invencível na rima. Essas dicas poderão facilitar sua fluência ao fazer uma rima de improviso.
O conhecimento que adquiri foi por meio de muita observação, livros de psicologia, poesia, gramática, estudo e muito gosto pelo rap. Essas dicas serão muito úteis para quem está querendo aprender e para aqueles que já fazem rimas de improviso.
“E eu nem sei o que tem a ver processador e rima” — Emicida no projeto The Creators
Por onde Começar? O nosso cérebro
Quando comecei a tentar fazer rimas brincando, não conseguia acertar duas ou três seguidas. Eu ficava sozinho em casa pela parte da tarde de segunda a sexta e esse era o momento onde eu ficava tentando sem parar. Estava acreditado que meu cérebro não era capaz de processar rimas com fluência como fazem os mcs.
Até que um dia minha percepção toda mudou. Eu em uma noite sonhei (não vai começar uma fanfic a partir daqui) que me sortearam para participar de uma batalha em dupla. Minha dupla era um mc da minha cidade chamado Iskmó (ele nem sabe disso, inclusive). Acontece que em meu sonho, parte da batalha aconteceu e minha dupla mandou rimas pesadas que fez o público delirar (acordei antes de chegar a minha vez e evitar uma vergonha). Quando acordei, notei que meu cérebro criou um freestyle em meu sonho. Por mais que fosse outra pessoa fazendo rimas, foi o meu cérebro que criou aquelas rimas que ele fez.
Fiquei intrigado com a situação. Minha mente sabe fazer freestyle e eu não sei.
Passagem do livro Foco — Daniel Goleman
Para me desafiar, tentei fazer o inverso. Tentei fazer um improviso onde eu teria que falar frases que não rimavam de forma alguma e advinha… Todas as terminações vinham rimando na minha cabeça e eu tinha que mudar a frase para não rimar.
Exemplo de tentativa de improviso onde o foco era não rimarComeço meu freestyle sem ter muito o que falar Com o caderno na mão e beat no (vinha na minha cabeça: celular e eu falava) smartphone
Nosso cérebro faz coisas involuntárias. Em 1987, um grupo de pesquisadores pediu para pessoas tocarem uma campainha toda vez que pensassem em um elefante branco. Separou em um grupo que podia pensar em um a vontade e outro grupo que não poderia pensar de forma alguma. O grupo que não podia pensar tocou a campainha muito mais vezes do que o grupo que podia pensar no elefante a vontade. A pressão de ter que rimar faz nosso cérebro ter dificuldade de fazer uma rima.
Estranhamente, eu sabia fazer um freestyle. Só não o fazia. Lendo o conhecido livro “Foco” de Daniel Goleman (detalhe nas referências), aprendi sobre o cérebro ascendente e descendente. O cérebro descendente é o nosso raciocínio lógico, o que pensamos e controlamos, enquanto o ascendente é o nosso processamento involuntário e que não para de pensar nunca (nem quando dormimos). Basicamente, o nosso cérebro processa informações gigantescas de forma muito fácil, portanto combinar palavras no final de uma frase não é nada tão complexo para ele.
Passagem falando do Freestyle no livro Foco — Daniel Goleman
Basicamente quando não precisamos raciocinar nem nos concentrar enquanto fazemos algo, chamamos isso de fluência. Era isso que estava buscando.
O que precisava fazer era basicamente “desligar” meu lado racional e sair falando o que desse para falar (basicamente o que disseram no início, que era para sentir). Consegui começar a acertar as terminações das frases, porém eu ficava sem ter o que falar e então fazia 3 ou 4 rimas.
Precisava estudar mais.
Sobre o que falar nas rimas?
Até então não tinha conseguido fazer rimas com sucesso. Até então… Eu já estava acertando as terminações porém não sabia o que falar. Veja o documentário abaixo e veja o que o Emicida fala em 2:01.
“A contribuição do rap pro improviso é essa. Você fazer a música na hora, sabe? Transformar o momento em música, como se fosse um retrato.” Emicida
Percebi que com essa frase eu sempre teria algo para falar. Se estivesse numa festa, falaria do som que está rolando na festa, iria falar da quantidade de gente, se está boa ou não e o nome das pessoas rimando para mostrar que realmente era improviso (as pessoas gostam de ser citadas no improviso ;D)
Nesse mesmo documentário o Mc Marechal diz:
Principalmente ser você. [..] Mas se você for igual o cara, mano, não vai adiantar nada. Você tem que ser original [..] o jeito que você fala na rua é o jeito que você fala no freestyle, porque você está manifestando você. Mc Marechal
Exatamente esse era o principal motivo de meus fracassos. Além de ser algo sentido, você precisa ser realmente quem você é (parece clichê, mas faz toda a diferença). Eu quando estava em minhas tentativas frustradas estava falando coisas que não era, bancando uma vida que não tinha, falando que eu era isso ou aquilo.
Quando terminei de ouvir as palavras do Marechal, fechei o vídeo, botei uma instrumental e tentei fazer um improviso falando do meu dia. A instrumental foi essa abaixo:
Sucesso total! Basicamente contei o meu dia em rimas. Fiquei os 4 minutos seguidos fazendo meu primeiro improviso. Usando muitos gatilhos (como “tá ligado” e “vou te falar”), repetindo algumas rimas no meio. Mas saiu!
Portanto. Coloque uma instrumental de baixo BPM (batidas por minuto) e invoque o Mc dentro de você. Apague a luz, inspire-se, e solte o verbo. Esse é o primeiro passo, o mais simples.
Métricas e o aumento de confiança
Agora que fiz meu primeiro freestyle pensei: “É só isso? Basicamente ficar fazendo isso todos os dias até conseguir não perder a rima de jeito nenhum?”.
Em alguns momentos ao deixar a mente fluir, eu acabava usando palavras difíceis de rimar. No geral, proparoxítonas (como próximo, número, música) e palavras com terminações pouco comuns. Resolvi começar analisar poesias e estudar sobre elas. Aprendi enumerar rimas com métricas.
Loop de uma base de rap
Os loops musicais possuem basicamente quatro batidas. Nessas quatro batidas você precisa falar uma frase. A frase seguinte se encaixa nas próximas quatro batidas e a terminação tem que rimar com a última palavra da frase anterior. Essa é a métrica mais básica de todas. Podemos usar como notação uma letra para cada terminação diferente.
Veja um exemplo de métrica básica:
Métrica básica: Eu só me lembro da mão trêmula | segurando o isqueiro[A] O olho esbugalhado representa o desespero[A] De um homem sem face | invisível[B] Empurrando a vida na medida do possível[B] MV Bill — Pedra no caminho
Podemos então notar que temos as terminações A A B B, que é o básico. Além dessa métrica temos a alternada, que seria A B A B e temos a interpolada (ou cruzada), que seria A B B A.
Métrica alternada: Virá com o tempo representado[A] pela areia na ampulheta[B], como o discurso, troca de lado[A], sendo moldado mais que a silhueta[B]. Douglas Dim — Causa Mor
Essas são as rimas com terminações no final de cada frase, porém você pode ter rimas internas, ou seja, dentro da própria frase você faz uma rima.
Note essa letra do Celo X do RZO na música “A favela chorou” em homenagem ao rapper Sabotage.
É dj Rajjie[A], sabota deixou saudades[A] Suas rimas, suas levadas tipo revolucionou[B]. Quem ouviu[C] tio [C], sentiu[C] se emocionou [B], marcou[B]ficou[B] na mente[D] só ideia quente[D]. Celo X — RZO
Note que “Rajjie” e “saudades” aparentemente não rimam na escrita, porém na parte fonética essas palavras tem terminações parecidas. Podem ser consideradas rimas também. Na terceira frase temos duas rimas dentro da própria oração e na última ele rima “mente” com “quente” formando uma nova terminação que não tem encaixe com nenhuma das frases anteriores.
Mc Marechal fazendo um show
Veja agora essa letra do Mc Marechal:
Diz quem nunca entrou na de viajar[A], vai. De partir[B], ver ninguém[C]. Sentir[B] o tempo devagar[A] na BR e mais de cem[C] Não é fugir[B], não é peitar[A]. Eu sumi[B]? Não. Veja bem[C], ser daqui[B] | Não significa ser refém[C] …. Marechal MC
Essa é uma das métricas mais doidas que já vi na vida rs.
Conseguiu notar algo? Conhecendo métricas você pode deixar a mente fluir livremente sem medo de errar. Suponha que estou em uma batalha de free e falei uma palavra que não tenha rima.
Eu vou te partir em trinta, vou quebrar até teu tórax[A] (Ish! Nada rima!) Porque eu não vim pra ser maneiro[B], vou te pisar por inteiro[B](rimou o/)
Sentiu a magia? Agora posso deixar a mente fluir a vontade, pois se acabar utilizando uma palavra que seja difícil de rimar, posso trocar a métrica e seguir rimando.
Não é tão difícil fazer duas palavras rimarem na mesma frase, mas caso acabe acontecendo de não conseguir fazer uma frase que rime, você pode optar pela métrica alternada.
Eu vou te partir em trinta, vou quebrar até teu tórax[A] (ish! Difícil de rimar) Porque eu não não vim pra ser maneiro, pretendo te partir em mil (ish!) Na próxima roda que tiver por aqui (ish! Não rimou ainda) Vão perguntar cadê você | e vão dizer que cê sumiu[B] (Ufa! Rimou!)
No final das contas, você não terá deixado de rimar, você terá alterado a métrica apenas.
Recapitulando: Você precisa deixar inicialmente a rima fluir. Para fazer isso você não pode estar preocupado em ter terminações parecidas, você precisa ir falando e as palavras irão se encaixando naturalmente. Como isso não é uma tarefa muito fácil, tenho uma dica para ir treinando enquanto não está dominando ainda.
Cena do filme 8-mile — Eminem
Dica (somente para treino):
Decore três frases com rimas internas. Essas frases você utilizará de forma alternada toda vez que acreditar que não conseguirá rimar. Mas lembre, essas frases são somente para você treinar e conseguir manter um bom tempo rimando e desenvolvendo a sua levada. Use-as de forma aleatória quando perceber que vai perder a rima. Mas lembre-se: só use treinando, não leve rimas decoradas para apresentações ou batalhas (Estamos de olho!).
Você pode utilizar a instrumental que citei acima. Ela tem um BPM muito bom para freestyles. Fale de sua vida, do local onde você está, do seu trabalho, etc.
Divirta-se e pratique bastante antes de ir para o próximo passo.
Flow
Primeiramente veja essa batalha:
Emicida x Gordo
A impressão que tive quando vi essa batalha (não sei se terá a mesma percepção que a minha) é que o Emicida parece ter mais tempo para cada frase que é falada enquanto o Gordo parece que tem que rimar com pressa. Isso geralmente acontece quando o mc está afobado ou nervoso. Ele acaba apressando as palavras no flow e isso acaba sendo um ciclo vicioso, onde por estar nervoso fala mais rápido e por falar mais rápido fica mais nervoso.
O BPM do freestyle não alterou, mas note que o Emicida consegue falar com mais calma e isso faz com que a parte ascendente de seu cérebro possa trazer melhores rimas para ele, além de ele rimar mais relaxado. Portanto, nada de desespero apesar das condições nada favoráveis de uma batalha de rap.
No início, quando você vai fazer seus primeiros freestyles para amigos a tensão é grande. Você precisa arranjar uma levada que te deixe confortável para conseguir processar o que está falando e assim dar continuidade no assunto que está abordando.
Então priorize algumas coisas: Se na ocasião você puder escolher a instrumental, escolha uma com pouco menos de 90 BPM (existem programas para calcular o BPM de arquivos MP3), pois isso te trará mais conforto no desenvolvimento das rimas.
MixMeister BPM Analyzer — Software para calcular bpm de arquivos mp3 para Windows
Se quiser uma ferramenta online para calcular BPMs de arquivos, desenvolvi uma ferramenta para tocar os áudios, fazer loops em batidas de rap e ainda é possível ver o BPM de cada batida. Clique aqui para acessar.
Rimas de efeito
Em parte de meus estudos notei que existem rimas que surtem um efeito muito bom de se ouvir e outras que aparentemente são indiferentes para os nossos ouvidos.
Foi estudando classes gramaticais e fonemas em poesias que consegui descobrir como funcionam as rimas fracas, fortes e raras. A expressão rima rara não veio do rap. É de bem antes dele rs.
As rimas fracas são rimas onde você possui a mesma classe gramatical o tempo inteiro, ou seja, rimar verbos com verbos não traz um grande efeito para o ouvinte.
Exemplo de rima a não se fazer: Então se liga meu amigo, no verso que falar[A] (Verbo) To aqui improvisando então deixa eu te explicar[A] (Verbo) O bagulho aqui ta sério, naquilo que vou mandar[A] (Verbo) Por que eu sou mc e to aqui pra improvisar[A] (Verbo)
Além da encheção de linguiça, todas as rimas possuem a terminação “ar” e são verbos. Isso não surge um efeito bom de ouvir. Portanto é chamado de rima fraca. Veja um exemplo de rima onde você tem uma mesclagem de classes gramaticais (ignore o possível machismo abaixo e foque na rima):
Todo tipo de piada cai na bunda da mulher[A] (substantivo)Um diz que coisa gostosa, é dessa que o papai quer[A] (verbo)Outro diz é boa a beça[B] (advérbio), quem tem uma bunda dessa[B] (pronome)Só é pobre se quiser[A] (verbo)Caju e Castanha — O poder que a bunda tem
Essa rima é rica, pois utiliza tanto substantivos, quanto verbos, quanto advérbios, quanto pronomes. Se a última frase terminasse com uma outra classe gramatical a rima teria um efeito melhor ainda.
As rimas raras são as que mesclam classes gramaticais e possuem terminações incomuns. A rima que citei no início do Celo X, onde “Rajjie” e “saudades” são complementares e é considerado um exemplo de rima rara.
Isso conta bastante no subconsciente do público, porém em um rap de improviso, terminar a rima no flow correto pode trazer mais efeito do que as dicas acima.
Oratória e impostação de voz
Isso vai bem além de apenas improviso. As dicas que aprendi com oratória e impostação de voz foram de cursos das quais fiz para apresentações em geral. Pode valer para shows ou para apresentação de um projeto no trabalho/escola/faculdade.
Em um dos cursos que fiz, o professor mostrou a importância de dar ênfase em palavras corretas. O sentido da frase pode mudar completamente caso uma palavra fique em mais evidência do que outra. Veja por exemplo a seguinte frase:
Eu não disse que ela é única.
O que você consegue compreender nessa frase? Aparentemente, que ele afirma não ter dito que ela é única. Mas agora vamos colocar ênfase em uma das palavras. A palavra que estiver em letra maiúscula, leia com a voz um pouco mais alta que as demais.
Eu NÃO DISSE que ela é única.
O que podemos interpretar é que ele não disse que ela é única, porém fica subentendido que disse algo. Mas esse algo não foi que ela é única. Veja um outro exemplo:
Eu não disse que ELA é única.
Nesse momento podemos perceber que ele não disse que ela é única, porém, alguém é, mas não ela. Mais um exemplo na mesma frase:
Eu não disse que ela é ÚNICA.
Ele não disse que ela é única. Mas disse algo a respeito dela.
A importância de dar ênfases corretas se reflete no ouvinte. Você no meio da rima tem que dar destaque ao que realmente importa, porém, só de falar a palavra um pouco mais alta (ou com mais força) do que as outras já irá trazer um efeito de melhor entendimento para os espectadores. Certa vez, fiz uma apresentação de um aplicativo que visa trazer melhores hábitos. Eu tinha que iniciar falando que criar hábitos era uma tarefa realmente difícil. Então a frase que disse foi:
Criar hábitos é uma tarefa realmente DIFÍCIL
Ao falar a palavra “difícil” um pouco mais alto que as demais, consegui trazer uma melhor compreensão sobre a dificuldade de criar novos hábitos. Caso não queira aumentar o tom de voz, você pode apenas dar uma pequena pausa antes da palavra que quer dar destaque.
Criar hábitos é uma tarefa realmente…. difícil
Essa pausa faz o cérebro focar mais na palavra seguinte. Se eu por acaso desse foco na palavra “tarefa” ou “realmente”, a ideia não ficaria fixa para os ouvintes. Isso poderia prejudicar minha apresentação.
Batalha de mcs
Lembro de uma vez em que estava em uma batalha de rap onde a plateia estava bem dividida sobre quem tinha ganhado os dois primeiros rounds. Com isso no terceiro round, o mc que me atacou disse que eu só sabia ser nerd. Como ser nerd nunca foi uma ofensa para mim, a última rima da batalha (na minha resposta) foi a seguinte.
[..] na batida Eu sou nerd assumido, pelo menos eu vou ser alguém na vidaPika
O público fez um “wooooooowwww”, porém em baixo tom. O grande erro dessa rima foi eu ter falado sem convicção. Se eu tivesse rimado “para fora” e falado em alto e bom tom “pelo menos EU vou ser ALGUÉM NA VIDA”, provavelmente o público teria gritado e eu poderia ter ganhado essa batalha, o que infelizmente não aconteceu.
Estratégia de pensamento na batalha
A atenção das pessoas diminui de forma logarítmica, como no gráfico abaixo.
A atenção do público tem um decrescimento se não estiver interessante
As primeiras palavras possuem a atenção total do público. Se começar falando coisas desinteressantes, o foco do público cai e depois você não conseguirá trazê-los de volta. Ou seja, é melhor ter as melhores rimas sendo usadas no início, pois a atenção do público é toda sua. Uma boa finalização também faz com que as pessoas lembrem melhor de você
Portanto, se você fizer excelentes rimas no início, rimas medianas para ruins no meio e uma boa rima no final, valerá mais do que uma rima mediana no início, boas rimas no meio e uma rima ruim no final. Nas batalhas isso conta muito. Posso me recordar bem na batalha do Nissin vs Douglas Dim na liga dos mcs em 2009.
O mc Nissin disse que o Douglas Dim era o Eddie Murphy com síndrome de down e a resposta dele foi:
Eu sou tipo Eddie Murphy, namoral Então eu sou tipo Dr. Dolittle, converso com animalDouglas Dim
Essa foi uma das melhores respostas que já vi em batalhas. Foi a primeira rima dele, o que fez aumentar o foco do público em suas rimas. O encerramento dele foi:
Irmão, eu vou pisar em você por inteiro Não é o que dizem? Se você pisa em merda é dinheiro Douglas Dim
Esse encerramento foi o que ele fez levar o primeiro round sem sombra de dúvidas. O que acontece em seguida é que no round seguinte ele não vai bem e a batalha é levada ao terceiro round. No terceiro round ele também não mostra um bom desempenho, mas o público o nomeou como vencedor mesmo assim. Isso tudo acontece por conta do foco que foi levado no primeiro round. Nos rounds seguintes o foco do público não estava tão grande quanto no início de cada batalha.
O freestyle em batalha possui algumas particularidades e estratégias que podem trazer a sua vitória, além da que foi descrita acima.
Suponha que em uma batalha você enquanto estava sendo atacado pensou em 4 respostas para responder no seu round.
Após a primeira resposta, se o público começar a gritar, ninguém irá escutar as duas próximas rimas que fizer. Portanto, ao fazer uma rima onde todos comecem a gritar, saiba que não é momento de fazer o novo ataque em seguida. Faça rimas mais simples até o público começar a se acalmar. Quando gritar menos, use a segunda resposta que fará o público gritar novamente. Esse será o cenário ideal para que todos acreditem que todas as rimas foram excelentes, quando na verdade apenas 4 delas foram.
Ainda na batalha entre Nissin e Douglas Dim, veja no vídeo abaixo que o Douglas Dim utiliza isso no primeiro round. Acontece exatamente isso com as rimas do Douglas Dim.
Round do Douglas Dim Rima de efeito (wooooooooow) Rima simples (ninguém ouve) Rima simples (quase ninguém ouve) Rima simples (público ouve) Rima de efeito (wooooooooow) Rima simples (ninguém ouve) Rima simples (quase ninguém ouve) Rima de efeito(wooooooooow) Rima simples (ninguém ouve) Rima simples (todos ouvem) Rima de efeito (wooooooooow)
Batalha entre Nissin e Douglas Dim — Liga dos mcs 2009
Isso fará as suas melhores ideias serem valorizadas na batalha.
Outra dica, na rima que fizer, deixe a frase de efeito no final da rima. Imagine que a primeira rima do Douglas Dim fosse:
Eu sou tipo Dr. Dolittle, converso com animalEntão eu sou tipo Eddie Murphy, namoral Douglas Dim
Isso provavelmente não faria ninguém gritar, apesar da ideia se manter a mesma. A primeira frase geralmente é descartada, visto que estamos esperando rimas. As primeiras frases nem precisa fazer muito sentido para que as pessoas entendam a mensagem e acabem gritando também. Veja a rima do Nissin no segundo round.
Sabe por quê? Por que aqui é muito além do martelo Respeito Martin Luther King e também o grande Otelo Nissin
Não faz sentido. Mas na batalha ninguém observa a primeira frase, pois o foco está sempre no final da rima.
Lembra que falamos sobre cérebro ascendente e descendente? Nas batalhas é válido utilizar o seu lado racional em alguns momentos. Em vez de se deixar fluir 100%, em alguns momentos vale mais a pena refletir rapidamente sobre uma frase que tenha uma determinada terminação para em seguida falar a frase que pretendia.
Agora a dica principal! Não fique enchendo linguiça. O público odeia isso. Tenha o que falar nas batalhas.
Inspire-se para se inspirar
Conclusão
Essas dicas, como dito na introdução, são dicas para que você consiga se expressar melhor nas rimas, algumas dicas observadas em batalhas e alguns métodos para te trazer fluência e confiança em seu respectivo improviso. São dicas que considero preciosas, pois foram elas que me ajudaram a fazer um bom freestyle.
Infelizmente, creio que não seria possível ensinar como ter criatividade, isso vai vir de você. O que pude trazer é um estudo da técnica e como o próprio Emicida diz “Fazer rima é a parte mais fácil” (mas ele diz assistir desenho animado para ter ideia nas batalhas).
Assim como um humorista não pode te ensinar ser engraçado, mas pode te ensinar técnicas de como fazer um texto onde as pessoas tem mais chance de rir. O Léo Lins é um exemplo de humorista que lançou um livro desse tipo.
Eu gostaria de ter lido um artigo parecido com esse quando comecei a fazer rap. Espero que, da mesma maneira que foi útil para mim, eu possa estar colaborando e compartilhando conhecimento e que seja útil para você também.
Baixe umas instrumentals de rap, sinta a batida, solte suas rimas e faça seu freestyle!
Abaixo segue um meu:
Meu soundcloud:
Fontes e referências:
GOLEMAN, Daniel. Foco: A atenção e seu papel fundamental para o sucesso. Edição: 1. Local de publicação: OBJETIVA, 10 de janeiro de 2014. 296 páginas.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: A teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Edição: 1. Local de publicação: OBJETIVA, 18 de abril de 1997. 372 páginas.
CAIN, Susan. O poder dos quietos: Como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar. Local de publicação: AGIR, 25 de abril de 2012. 360 páginas.
DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. Rapping, deconstructed: The best rhymers of all time. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QWveXdj6oZU; Acesso em: 4 nov. 2016.
Link do curso: https://bit.ly/AprendaARimarComKant Recentemente, o MC Kant, o maior vencedor da Batalha da Aldeia, lançou um curso em que ele próprio ensina como fazer rimas freestyle. O curso está tendo pouca divulgação. É por isso que comprei o curso decidi fazer essa review. Assim você consegue tomar a decisão se compra ou não o curso para aprender a rimar. Se você quer saber como rimar, como fazer rimas, ou mesmo se já sabe e quer saber como rimar bem, leia o texto até o final. O curso é dividido entre as seguintes partes: INTRODUÇÃO AO CURSO CONCEITOS BÁSICOS PARA APRENDER A RIMAR FORMANDO RIMAS EXERCITANDO SUA MENTE FREESTYLE NA PRÁTICA OBTENDO VOCABULÁRIO FLOW E CADÊNCIA BATALHA DE MCs ESTILOS DE RIMAS REVISÃO E SEGREDOS DOS MCs Nesse curso Kant MC, o maior campeão da Batalha da Aldeia, compartilha todo o conhecimento adquirido ao longo de sua vida no RAP, com uma abordagem prática e todo embasamento teórico necessário para...
Salve, galera! MC Dani de volta na parada. Há algumas semanas fiz uma postagem com uma review do curso Aprenda a Rimar com Kant , que fala se vale a pena comprar o curso dele. Link do curso do Kant: https://bit.ly/AprendaARimarComKant Na review, comentei que existiam alguns vídeos de MCs já consolidados de graça que são bons para quem quer aprender a rimar rap. Nessa postagem, vou divulgar esses vídeos pra vocês.
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